Falar
abertamente sobre a menstruação é fundamental para garantir dignidade, saúde e
igualdade para todas as meninas e mulheres no mundo. Em Angola este diálogo também
começa a ganhar força, impulsionado sobretudo pela juventude. Apesar de ser um
fenómeno natural comum a milhões de meninas, a menstruação ainda está envolta
em silêncio, constrangimento e desigualdades. Em alusão ao dia da higiene
menstrual que se assinala a 28 de Maio e para promover o diálogo sobre estas
importantes questões, foi realizado um inquérito nacional através da plataforma
de participação de jovens denominada "SMS Jovem". O objectivo foi
ouvir directamente as vozes da juventude angolana - as suas experiências,
preocupações e propostas sobre um tema que não é adequadamente abordado ou
compreendido.
Mais
de 10.800 jovens de várias províncias participaram da pesquisa, entre as quais
60% eram rapazes e 40% raparigas, com idades entre 14 e 35 anos. Os resultados
revelam uma juventude atenta e participativa, determinada a transformar
realidades - desde o acesso a casas de banho decentes até à disponibilidade de
produtos de higiene menstrual a preços acessíveis. Mais do que a mera recolha
de dados, este inquérito representa uma campanha de escuta activa dos jovens e
acção colectiva para um futuro mais justo e informado para todos.
Um
dos pontos mais marcantes foi a questão do acesso às condições básicas de
higiene na escola e nos locais de trabalho. Quando questionadas sobre se as
casas de banho disponíveis nas escolas e locais de trabalho permitem uma gestão
menstrual segura e confortável, 54% das raparigas e mulheres participantes
responderam que sim, mas 46% disseram não ter acesso a estas condições. Este
dado revela as dificuldades ainda enfrentadas por muitas, com implicações directas
na sua saúde e frequência escolar durante a menstruação.
Esta
realidade é confirmada por testemunhos como o de uma das participantes no
inquérito, que partilhou: "É difícil e constrangedor concentrarmo-nos
nas aulas quando o corpo pede cuidados e a escola não oferece condições de
higiene adequadas. Já gozaram comigo por ter uma mancha na minha roupa. Desde
então, prefiro faltar às aulas nesses dias." Fernanda[1],
20 anos, Namibe.
Em
relação aos produtos menstruais, a maioria das participantes (86%) manifestou
preferência por opções descartáveis, como absorventes higiénicos e tampões,
enquanto 14% disseram preferir alternativas reutilizáveis, como absorventes de
pano, colectores menstruais ou calcinhas absorventes. No entanto, 24% apontaram
que o custo dos produtos era um dos principais obstáculos para uma menstruação
segura e digna.
Esta
dificuldade é expressa por muitas raparigas, como Elsa, de 16 anos, da
província do Bié, que partilhou: "Prefiro os produtos descartáveis, mas
nem sempre os posso pagar. Se fosse mais barato ou tivesse na escola, seria
muito melhor."
Entre
os maiores desafios enfrentados durante o período menstrual, 44% das jovens
mencionaram a falta de banheiros em condições adequadas, 24% destacaram o preço
dos produtos, 23% mencionaram a ausência de profissionais de saúde devidamente
treinados que possam prestar aconselhamento e 9% denunciaram os mitos e tabus
ainda muito presentes na sociedade.
Várias
vozes durante esta sondagem por mensagem destacaram-se, como a de Tatiana, 19
anos, do Cunene, que disse: "Aqui quase ninguém fala disso. Eu fui para
o hospital com fortes dores e eles apenas disseram 'isso é normal'. Nem sequer
explicaram nada."
O
testemunho mostra como a falta de informação e aconselhamento adequado por
parte dos profissionais de saúde deixa muitas raparigas sem apoio durante o seu
ciclo menstrual.
O
inquérito procurou ainda perceber como se pode contribuir para a normalização
da menstruação na sociedade angolana. Para 38% das raparigas, é essencial falar
mais sobre o tema nos meios de comunicação social, como a televisão e a rádio.
Outros destacaram a importância de envolver pais e cuidadores nas conversas
(26%) ou incluir activamente meninos e homens na promoção da dignidade
menstrual (27%).
Entre
os rapazes, 67% consideram que aprender sobre a menstruação desde tenra idade,
especialmente nas escolas, é a melhor forma de apoiar as raparigas e
desmistificar os preconceitos existentes. Os restantes 33% sugerem a realização
de palestras orientadas por (professores ou profissionais do sexo masculino)
como estratégia complementar de sensibilização, tanto nas escolas como no local
de trabalho.
Este
inquérito insere-se num movimento mais amplo que tem vindo a crescer nos
últimos anos em Angola, liderado por organizações da sociedade civil, escolas,
agências das Nações Unidas e activistas juvenis. Iniciativas já estão sendo
implementadas em algumas escolas e comunidades para garantir o acesso gratuito
a produtos menstruais e promover espaços de diálogo aberto sobre o tema.
A
menstruação não deve ser motivo de vergonha, discriminação ou exclusão. As
vozes dos jovens angolanos mostram uma consciência crescente, uma vontade de
mudar e um compromisso com a justiça social. Ouvi-las é essencial para desenhar
políticas públicas eficazes e transformadoras que respeitem e promovam a
dignidade de todas as meninas e mulheres.
O SMS Jovem é uma plataforma que apoia o Ministério da Juventude e Desportos de Angola no seu esforço para capacitar os jovens. Ela conta com o apoio técnico do UNFPA e UNICEF em parceria com a UNITEL que disponibiliza SMS gratuitos aos utilizadores.
[1] Os nomes utilizados neste artigo são fictícios, respeitando o
compromisso da plataforma SMS Jovem com o anonimato e confidencialidade de
todos os participantes da pesquisa.